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Novo 4º ano de Medicina traz mais prática e integração curricular

Mudança amplia tempo no internato, fortalece formação clínica e valoriza a atuação em equipe e o pensamento científico

Uma das principais mudanças recentes no curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP é a reformulação do 4º ano, que passa a ser tratado como etapa de transição para o internato. A proposta, segundo a professora Alessandra Cristina Marcolin, chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP e presidente da Comissão Coordenadora do Curso de Medicina (COC-Medicina), está inserida em um movimento mais amplo de atualização do currículo para torná-lo mais próximo dos modelos adotados por universidades de referência internacional e mais conectado com a realidade da assistência em saúde no Brasil.

“O atual currículo do curso de Medicina da FMRP exibe fragilidades e lacunas que necessitam ser sanadas”, afirma a professora. Entre os pontos críticos diagnosticados estão a fragmentação do ensino, a distância entre teoria e prática, a pouca integração entre áreas básicas e clínicas e a ênfase excessiva na avaliação de conteúdo teórico, em detrimento de habilidades e atitudes. Para enfrentar esses desafios, o novo currículo adapta o formato tradicional baseado em disciplinas e adota unidades curriculares (UCs) integradas, com maior articulação entre conteúdos e metodologias ativas de ensino.

Praticamente todas as disciplinas foram reorganizadas. “Não se fala mais em disciplinas fragmentadas, mas em unidades curriculares”, explica Alessandra. Um exemplo é a UC Saúde do Adulto, que reúne áreas clínicas de um mesmo departamento, e a UC Competências Cirúrgicas, que integra conteúdos de Clínica Cirúrgica, Ortopedia, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Anestesiologia.

A implantação do novo currículo ocorreu de forma integral em 2022, sem transição para os estudantes que já estavam matriculados na matriz anterior. “Temos hoje três turmas na nova matriz e três na antiga, com algumas intersecções, mas sem prejuízo para os alunos”, esclarece a professora.

Internato ampliado e contato mais cedo com pacientes

Uma das principais mudanças no ciclo clínico é a ampliação do internato, que agora passa a ter três anos — um a mais que o modelo anterior. A nova estrutura prevê que o 4º ano funcione como uma fase preparatória, em que o estudante é introduzido de maneira mais intensiva à prática clínica, mas ainda com autonomia limitada para garantir segurança no cuidado aos pacientes. “Faremos uma mudança de dois anos de internato para três anos, aumentando a interface de contato entre os estudantes e seus pacientes e familiares”, explica Alessandra.

Esse novo desenho busca fortalecer competências essenciais à atuação médica, como raciocínio clínico, empatia, trabalho em equipe e compromisso com o cuidado longitudinal. O contato com os serviços de saúde será mais precoce e constante, com turmas menores nos cenários de prática e com presença dos alunos ao longo de todo o ano. “No 4º ano, haverá alunos nos cenários de ensino o ano todo, o que não acontecia com as disciplinas do currículo antigo”, aponta a professora.

Embora as Diretrizes Curriculares Nacionais permitam até 80% de carga horária prática no internato, a proporção será ajustada no 4º ano, que ainda exige uma base teórica robusta. A expectativa é de uma distribuição próxima de 50% de teoria e 50% de prática — ou até 40%-60%, a depender da área clínica.

As Unidades Curriculares também passaram por ajustes na carga horária global para comportar os chamados eixos verticais, que atravessam os seis anos do curso e organizam o desenvolvimento de competências transversais. “Esses eixos são: Saúde da Comunidade, Humanismo e Profissionalismo, Desenvolvimento Pessoal e Profissional, Avaliação Programática e Pensamento Científico”, detalha a professora. A existência de tutoria acadêmica e a construção do e-portfólio são exemplos práticos dessa nova estrutura longitudinal.

Integração entre áreas básicas e clínicas

A integração entre áreas básicas e clínicas também foi intensificada. A professora destaca a criação da unidade curricular Medicina Translacional, que promove atividades conjuntas entre docentes de diferentes departamentos por meio de reuniões científicas, fóruns de pesquisa e discussões de casos clínicos, sempre com base em evidências. “Manteremos a premissa de maior integração entre as várias áreas clínicas e entre as áreas básicas e clínicas”, resume Alessandra.

Essa integração ocorre em ambas as direções: docentes das áreas básicas contribuem para o raciocínio clínico e a contextualização de conteúdos, enquanto professores da clínica participam da formação dos alunos desde os primeiros anos. A ideia é oferecer uma formação mais coesa, interdisciplinar e próxima da realidade da prática médica.

Avaliação mais completa e desenvolvimento humanístico

“O processo avaliativo do estudante, no novo currículo, é o item mais desafiador e que mais sofreu mudanças”, afirma Alessandra. Foram criados espaços específicos na matriz para semanas de avaliação programática, que ocorrem ao fim de ciclos de unidades curriculares. As provas agora avaliam não apenas o conhecimento, mas também habilidades clínicas, atitudes e desempenho em diferentes contextos.

No 4º ano, essas semanas de avaliação ocorrem a cada oito semanas, ao final de duas UC subsequentes. Em paralelo, foi instituído o Comitê de Avaliação Institucional, composto por docentes com experiência em processos avaliativos e coordenadores de disciplinas. “Esse comitê avalia casos de estudantes com desempenho limítrofe ou insatisfatório, a fim de definir formas de remediação”, explica a professora.

Além das avaliações somativas, que determinam a aprovação, o novo modelo valoriza instrumentos de avaliação formativa com feedback estruturado, como o OSCE (exame clínico objetivo estruturado), o Mini-CEX (avaliação clínica direta), a avaliação 360° e os portfólios reflexivos. Este último permite acompanhar o desenvolvimento profissional do estudante ao longo do curso, com foco em aspectos como ética, empatia, autorreflexão e compromisso com o cuidado.

Com a nova matriz, a expectativa é que o egresso da Medicina da FMRP seja um profissional tecnicamente qualificado, com pensamento científico apurado, postura ética e sensibilidade humana. “Esperamos que o egresso seja uma pessoa empática, compassiva, com senso crítico e ético e capaz de ser um agente de transformação no meio em que vive”, conclui Alessandra.