Pioneiro em atendimento de Ginecologia na atenção primária à saúde


Nesta entrevista, o doutor Silvio Franceschini relata sua trajetória inovadora na Ginecologia, iniciando serviços fora do hospital antes mesmo da criação do SUS em 1988, na unidade da Vila Tibério em 1984. Enfrentando desafios, ele estabeleceu parcerias para oferecer cuidados ginecológicos essenciais. Desde 1987, atuando no CSE-Cuiabá, observou transformações significativas, especialmente após a implementação do SUS, que fortaleceu a atenção básica e redefiniu a educação médica, valorizando a experiência prática fora dos grandes centros hospitalares. Ele destaca a evolução do estágio de GO no CSE-Cuiabá, hoje considerado um dos melhores, graças ao reconhecimento da importância da atenção primária e à integração de serviços especializados.

O senhor foi o primeiro ginecologista a ir atender pacientes fora do hospital, em posto de saúde. Conte um pouco desta história.

 Eu sou pré SUS. O SUS é de 1988 e eu comecei a trabalhar em unidades de saúde em dezembro de 1984. A primeira foi a Unidade da Vila Tibério. Lá era uma unidade materno infantil, ou seja, só atendia pré-natal e pediatria. Então, resolvi criar um serviço de Ginecologia que só tinha, nessa época, no INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) e nos hospitais. Fora a unidade do Centro de Saúde Escola, da rua Cuiabá, ligada à FMRP, não existia nenhum outro serviço. Não existiam unidades de saúde. Isso foi criado posteriormente (a partir de 1988 com a criação do SUS). 

E aí eu comecei a atender a ginecologia na Unidade da Vila Tibério. E no primeiro Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, que foi em 1986, eu apresentei os resultados, deste primeiro ano de atendimento de ginecologia e o trabalho foi bem recebido.

Foi difícil esse início?

Para você ter ideia, a gente não tinha como colher Papanicolau, porque não tinha esse serviço na prefeitura, na rede. Então, eu fiz um convênio, vamos dizer assim, informal, com a patologia do HC. Eu colhia as lâminas lá na Vila Tibério e levava para a patologia, que gentilmente lia (avaliava) as lâminas pra mim. Depois, nós conseguimos fazer um canal mais formal com o HC. Então foi assim que começou o primeiro serviço de Ginecologia extra hospitalar da cidade.

Há quanto tempo o senhor está no CSE-Cuiabá?

Em 1987, havia três unidades de saúde-escola. Tinha a da Vila Tibério, Vila Lobato e aqui, que era mais central e tinha um grupo maior. Na Vila Tibério, eu recebia estudantes de enfermagem, mas não de Medicina. Aí, eles queriam centralizar alguns alunos da Medicina aqui e me chamaram para orientar os alunos.

 Quais as principais mudanças, o senhor percebeu no serviço de GO no CSE Cuiabá durante este tempo?

 Primeiro, a implantação do SUS. Teve, vamos dizer, um fortalecimento da atenção básica de saúde, que são as unidades. Isso não existia. Mas mais do que isso, na questão da ginecologia, teve uma coisa muito interessante. Aqui era uma unidade que recebia alunos e residentes, mas nessa época, os alunos e residentes ficavam muito ligados ao HC. Achavam que era apenas no HC que eles iriam aprender. Aqui era um postinho. E o Departamento também não ligava muito para mudar essa ideia e com o passar do tempo, o próprio Ministério exigiu uma descentralização maior dos cenários de aprendizado, tanto para residente, quanto para os alunos de graduação. E, de repente, esse cenário ficou muito atrativo, principalmente para R1 e R2 de GO. E os alunos começaram a entender que aqui é a medicina que eles vão enfrentar no futuro, em seus consultórios. O HC é um cenário para casos terciários, às vezes quaternários. Lá eles vão ver casos extremos.
Aqui, eles vão ver o que existe no dia a dia e começaram a entender isso. Outra coisa importante é que o Departamento de GO começou a investir no CSE, isso foi muito importante para o crescimento deste cenário de ensino e atendimento à população. Outro ponto importante é que o DGO fez parcerias com a Secretaria Municipal de Saúde e passamos a ser um centro de referência para casos municipais de Contracepção de Longa Duração (DIU e implantes), Síndrome dos Ovários Policísticos, Patologia do Trato Genital Inferior, Saúde Sexual e Sangramento Uterino Anormal. 

O estágio de GO no CSE Cuiabá é apontado como um dos melhores estágios para alunos e residentes. A que o senhor credita este fato?

Eu acho que, primeiro, a importância é que a Faculdade passou a dar aqui. Nós viramos um cenário de ensino muito importante para a Faculdade. Hoje, além da GO, há várias outras especialidades aqui e os alunos começaram a compreender que atenção primária à saúde é algo importante. Fazemos também casos de complexidade secundária em atendimentos especializados tanto na GO como em outras especialidades. Como mencionei anteriormente,  passamos a ser um centro de referência para algumas áreas do conhecimento em Ginecologia. Nos ambulatórios de contracepção de longa duração,  por exemplo, nós somos uma referência no município, para a paciente que quer colocar DIU-hormonal ou Implante contraceptivo. Isso para o residente é ótimo, ele pega habilidade de lidar com estes métodos durante seu treinamento. Para o aluno, ele aprende a orientar as pacientes, a garantir o cuidado integral e conta com uma supervisão de alta qualidade na discussão dos casos. 

 O senhor saiu direto da Faculdade para o atendimento público?

Sim, eu fiz faculdade aqui na FMRP e depois residência de GO . Eu tive consultórios por um tempo. Mas é assim, eu sempre investi o meu esforço na atenção pública, porque eu acredito nisso. Eu acho que você é muito mais um agente transformador, num serviço de público do que dentro do seu consultório. Dentro do seu consultório, você fica restrito. Aqui, você pode influir em política pública,tanto que, por exemplo, a gente trabalhou muito nessa questão de contraceptivos de longa ação. Eu e a Profa Carolina Sales trabalhamos desde 2009 com isso. E o município, hoje, graças a esses esforços que fizemos é um dos municípios que oferece mais contraceptivos de longa ação, repercutindo em uma maior queda das gestações entre adolescentes, por exemplo. Isso é um trabalho nosso, não é um trabalho que apareceu. A gente tem insistido, mostrando fármaco-economia que isso é importante. Então, quer dizer, quando você vê isso nascer no município, você sabe que foi um agente transformador, é legal. Se eu tivesse no consultório, talvez eu não tivesse esse estímulo. E aqui, eu tenho também alunos e residentes que estimulam a gente a estudar. Você tem que estudar, porque eles exigem de você.

 Isso te satisfaz?

Muito, muito.

 Faria tudo do mesmo jeito?

Sim, sem dúvida, sem dúvida.